sábado, 30 de agosto de 2008

"Cantiga que Deus me ensinou", de Eugênio Tavares

Encosta a cabeça
No meu peito, Amor:
Para que tanta pressa
De correr para a dor?

Oh beijo de amor,
Beijo da bem-amada!
Seja como for
Este teu inferno é céu...

Já diz a Lei de Deus:
"Santo é quem quiser."
Toda a graça está
(tudo depende)
Em esperar, com fé.

Encosta, amor,
A cabeça neste peito
Deus já me deu este jeito
(oportunidade)
De morar no céu...

Deixa-me beijar-te na testa
Para iluminar a minha sorte
Ai, se um beijo é festa,
Muitos beijos são a morte...

Oh Sol dá-me a tua asa
Para deixar este degredo!
O meu destino é feito
De tristeza e de dor.

Trigueirinha santa
Dorme no meu regaço
Meus dois braços são uma (manta)
A minha sombra é paz.

Vem ouvir este clamor
Que Deus me ensinou
Para aliviar a dor
De outros corações.

Vençamos esta distância
Embarquemos no vento:
Deixemos as nossas ânsias
E os nossos sofrimentos...

(Tradução de Arnaldo França.)
Abaixo, a transcrição do poema no dialeto cabo-verdiano:

"Cantiga que Deus ensina"
Encostã cabeça
Na nha peto, Amor:
Pá que tanto pressa
De corrê pâ dor?

Ó bejo de amor.
Bejo de crecheu!
Seja comâ for,
Es bô inferno é ceu...

Lei de Deus jâ flâ:
"Santo é quem crê".
Tudo graça stâ
Na espera co fê...

Encostã crecheu,
Cabeça na es peto:
Deus ja dam es geto
De morâ na ceu...

Xa'n bejabo testa
Pa'n clariâ nha sorte:
Ai, se um bejo é festa,
Bejo tcheu é morte...

O Sol da'n bô asa
Pa' largâ es degredo!
Nha destino é feto
De tristeza e dôr.

Trigueirinha santa,
Dormi na ragáz:
Nha dos braços é manta.
Es nha sombra é paz.

Bem obi es clamor
Que Deus ensinam
Pam ta lebia dor
De otos coraçom.

No bencê es distância,
No emborcâ na bento:
No largâ nos ânsia
Co nos sofrimento...

Perfil: Eugênio Tavares, natural de Cabo Verde, é considerado o poeta da "morna" (expressão poético-musical cabo-verdiana). No início do século XX, participou do movimento "nativista" pela autonomia de sua ilha natal. Fez parte, ao lado de Pedro Cardoso, do grupo de intelectuais que fundaram a revista "Claridade" como porta-voz da cultura autóctone.
Fonte: "Antologia escolar", org. de Iguamir Antonio T. Marçal. Biblioteca do Exército, RJ, 1995.

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