sábado, 30 de agosto de 2008

"Quero ser tambor", de José Craveirinha

Tambor está velho de gritar.
Ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

E nem flor nascida no mato do desespero.
Nem rio correndo para o mar do desespero.
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero.
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra.
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra:
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra!

Eu!
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sangrar no batuque do meu povo.
Só tambor velho perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens
eu quero ser tambor,
E nem rio,
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando a canção da força e da vida
só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!

Oh, velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!
(Karingana Ua Karingana)

Perfil: José Craveirinha (1922- ). Destacado jornalista e poeta, teve participação ativa nas denúncias de injustiças e opressões sofridas por seu povo durante o regime colonialista, que culminaram com a independência de seu país. O uso da efabulação e de metáforas é marcante em sua obra e foram os instrumentos de que se valeu como poeta para atuar em diversos países do mundo e conseguir a simpatia imprescindível à causa de seu povo. É na atualidade o escritor moçambicano mais lido no exterior.
Obras” “Chibugo” (1964), “Cântico a um Dio de Catrame” (1966), “Karingana Ua Karingana” (1974), “Cela I” (1980) e “Tingolé” (1982).
Fonte: “Antologia escolar”, org. de Iguamir Antonio Marçal. Biblioteca do Exército, RJ, 1995.